Definição e Classificação
É muito comum chamarmos depressão a um sentimento de tristeza profunda.
Dizemos, por exemplo: "hoje estou deprimido" ou que um amigo está "muito
deprimido, ultimamente" e assim por diante. Entretanto, não devemos esquecer que a
depressão é uma situação patológica, isto é, uma situação de doença. A tristeza
em si não caracteriza uma doença e portanto não caracteriza, sozinha, uma depressão.
Temos uma depressão quando a tristeza é doentia ou seja quando há um sentimento
patológico de tristeza.
O que é então uma tristeza doentia, a ponto que se possa usar para descrevê-la o termo
"depressão"? Para um melhor entendimento vamos considerar um fato que
normalmente nos deixa tristes como por exemplo a morte de uma pessoa amada. A tristeza aí
é normal e dependendo de quanto amamos a pessoa que perdemos, ela pode durar algum tempo.
Durante os primeiros dias após a perda pode ser que fiquemos tão tristes que não
tenhamos nem mesmo vontade de comer, de sorrir, ou de exercer qualquer outra atividade que
normalmente nos dão prazer. Espera-se, porém, que o luto se resolva dentro de um certo
período de tempo. Talvez leve algumas semanas até voltarmos a trabalhar
satisfatoriamente e a conviver de maneira natural com a família e os amigos. Talvez mesmo
depois de muitos meses ainda estaremos tristes, pensando na pessoa perdida. Mas espera-se
que com o passar do tempo se retomará o curso natural da existência e que voltaremos a
continuar nossa caminhada no mundo do trabalho, das relações e do prazer. Nada disto
caracteriza uma depressão. Tudo isto é absolutamente normal.
Pensemos por outro lado numa situação em que o luto não se resolva, isto é, que a
pessoa em questão continue por um período excessivamente prolongado a não querer se
alimentar, não querer cuidar mais de si, de seu corpo, negar-se a qualquer tipo de
prazer, estar sempre chorando, em estado de tristeza profunda, e não consiga mais se
relacionar de maneira natural com a família e os amigos; que com o passar do tempo não
se vislumbre sinal de melhora. Suponhamos que além disso a pessoa se apresente com um
grande complexo de culpa, atribuindo a si a causa da morte do outro, que esta culpa gere
uma sensação de auto-desprezo, culminando com idéias de suicídio. Aí temos um
conjunto de sintomas que nos faz pensar no diagnóstico de depressão. Suponhamos ainda
que uma pessoa apresente estes mesmos problemas mas sem nenhuma causa aparente: ninguém
morreu, não houve nenhum evento em sua vida como separação de um conjugue, desemprego,
a pessoa simplesmente começou a apresentar-se da forma descrita acima, sem motivo. Aí
também se pensa no estado doentio que denominamos "depressão."
O que caracteriza a depressão não é, portanto, a tristeza, a idéia de suicídio, ou
qualquer outro sintoma isolado, mas o conjunto de sintomas relacionados desmesuradamente a
uma dada situação. Ou ainda, é o aparecimento destes sintomas de forma repetida e/ou
sem nenhuma causa aparente.
Para que se diagnostique a depressão, portanto, deve-se levar em consideração se há ou
não motivo para o desenvolvimento dos sintomas, e a intensidade dos sintomas, ou seja, a
intensidade da tristeza, o afastamento das atividades regulares e prazerosas, a falta de
auto-cuidado, as idéias de culpa, auto-desprezo e suicídio, a interferência destes
sintomas na capacidade de trabalho, e o tempo pelo qual estes sintomas se prolongam.
O diagnóstico de depressão é, assim, complexo, não por dificuldades em reconhecer os
sintomas, mas pela necessidade de equacioná-los devidamente. Sendo assim, sua
delimitação e portanto seu diagnóstico é tarefa a que o profissional se dedica levando
em conta uma definição que torne este diagnóstico aceito em bases relativamente
objetivas. A definição utilizada se relaciona com o Manual de Classificação das
Doenças Mentais, em sua 4º edição (o DSM IV). A
depressão é aí definida, em termos gerais, como:
"Transtorno caracterizado pela sensação de perda de controle dos humores e afetos e
uma experiência subjetiva de grande sofrimento."
Vale a pena então entendermos melhor esta definição, entendendo o que se convenciona
chamar de HUMOR e AFETO. Para isto nos reportamos ao Compêndio de Psiquiatria, de Kaplan,
Sadock e Grebb:
HUMOR- Estado emocional interno mais constante de uma pessoa. Pode ser elevado ou
deprimido.
AFETO - Expressão externa do conteúdo emocional atual.
O afeto, em termos de psiquiatria, não é, portanto, somente aquilo a que normalmente
chamamos de afeto, mas as diversas manifestações externa do humor, as maneiras de se
relacionar que a gente vê e que mostra um estado interior, aquilo que a pessoa passa para
fora de si na relação com os outros. O afeto transmite e denuncia o humor. Concluímos
que o humor da pessoa está deprimido quando o afeto que exterioriza é pobre, as
manifestações são poucas ou quase nenhuma. Se a pessoa tem um humor elevado, ela passa
isto através de manifestações afetivas ricas. A ultra-exuberância, a manifestação
hiper-excessiva destas manifestações (o contrário da depressão), chamamos de mania ou
estado maníaco.
As depressões às vezes podem se apresentar com um curso que admite episódios
intermitentes de mania. A pessoa passa um tempo deprimida, pode melhorar, ficar sem
sintomas, e aí apresentar episódio maníaco, depois novo episódio depressivo e daí por
diante. Este é um quadro que até recentemente se denominava Psicose Maníaco-Depressiva,
hoje chamada Transtorno Bipolar. Outras depressões apresentam-se sem aparição de
quadros depressivos. Algumas depressões são muito severas, necessitando de internação
em hospital para proteção do paciente e tratamento. Outras são de natureza mais leve,
podendo ser tratadas em casa. E algumas são relacionadas com outros problemas, como a
menstruação, a menopausa, e outros problemas médicos ou do ciclo da vida. Os tipos de
depressão mais comuns, atualmente, podem ser assim classificados, conforme o DSM IV:
- Transtorno depressivo maior
- Transtorno depressivo menor
- Transtorno depressivo breve recorrente
- Transtorno disfórico pré-menstrual
- Transtornos bipolares
Os termos são basicamente auto-descritivos. Nos quatro primeiros considera-se que há
apenas sintomas depressivos. Os transtornos bipolares como já vimos se caracterizam pela
existência de episódios depressivos e maníacos.
Histórico
A depressão, bem como a mania, são descritos desde a Bíblia e a Ilíada. Na
Bíblia há a descrição clássica do rei Saul, personagem eminentemente deprimido. Na
Grécia clássica se fazem as primeiras alusões à melancolia. Posteriormente a
melancolia é descrita de maneira mais completa por Hipócrates, Galeno e Areteu da
Capadócia. Estes autores médicos colocam a melancolia em perspectiva com as teorias
vigentes em suas respectivas épocas, principalmente as teorias dos humores (humores aí
significando não os afetos, mas os líquidos internos como o sangue, a bile e a fleugma).
Em 1882 Karl Kahlbaum usa o termo "ciclotimia," sugerindo a depressão e a mania
como estágios da mesma doença. Kraepelin, em 1889, elabora sua descrição da Psicose
Maníaco-Depressiva, que contém os critérios usados até hoje para o diagnóstico do
Transtorno Bipolar. Este autor descreveu ainda a "melancolia involutiva," forma
de depressão que aparece após a menopausa, na mulher, e durante a idade adulta tardia,
no homem.
Epidemiologia
Os transtornos depressivos maiores aparecem mais frequentemente em mulheres (até
duas vezes mais que nos homens). Os transtornos bipolares não apresentam diferença em
sua prevalência por gênero. O início de um transtorno depressivo é geralmente na idade
adulta (20 a 50 anos) mas dados mais recentes sugerem que pode estar aumentando o início
antes dos 20 anos. Para o Transtorno Bipolar a média de aparecimento do primeiro
episódio é aos 30 anos de idade.
Causas das Depressões
Não se tem uma certeza sobre as causas dos Transtornos Depressivos Maiores e
Transtornos Bipolares. Artificialmente se considera três grupos de fatores:
psicossociais, genéticos e biológicos.
Fatores Psicossociais
Acontecimentos vitais e estresse
são importantes apenas para o
desencadeamento do primeiro episódio. Ou seja, um primeiro episódio de depressão pode
ser desencadeado por um acontecimento estressante (uma morte, separação, perda de
emprego) mas a partir daí outros episódios podem acontecer sem haver necessariamente
outros acontecimentos estressantes. É como se o primeiro episódio desencadeasse um
mecanismo que deixa a possibilidade automática de outras depressões.
É importante notar que o acontecimento vital mais fortemente associado com o
desenvolvimento posterior de depressão é a perda de um dos pais antes dos 11 anos de
idade. É IMPORTANTE QUE SE TOME MEDIDAS ESPECIAIS DE APOIO ÁS CRIANÇAS QUE PERDEM SEUS
PAIS, OU CUJOS PAIS SE SEPARAM ANTES DOS 11 ANOS. Por isto recomendamos que em todos os
casos de separação OS PAIS sejam orientados psicologicamente para lidarem melhor com as
situações que se apresentam junto a seus filhos.
Teorias explicativas da depressão
: Segundo Freud a pessoa se deprime porque dirige
sua raiva (oriunda da perda objetal) para o interior, para identificar-se com o objeto
perdido. Daí sua profunda auto-depreciação associada com culpa e auto-reprovação.
Melanie Klein explica a depressão pelo reflexo de um fracasso na infância para
estabelecer introjetos de amor - sensação (fantasia) de ter destruído objetos de
amor através de sua própria destrutividade e ganância. Os pais internos bons são
transformados em perseguidores em razão das fantasias e impulsos destrutivos dos
pacientes. Já para Bibring a depressão aparece como resultado da frustração decorrente
da incongruência entre as aspirações do paciente e a realidade. Em não alcançando
seus ideais os pacientes deprimidos sentem-se desamparados e impotentes. Para Heinz Kohut
o indivíduo busca no ambiente respostas necessárias para a manutenção da auto-estima.
Se as pessoas significativas não proporcionam respostas o indivíduo sente-se incompleto
e desesperado e se deprime.
Outras explicações para a depressão incluem a Teoria do Aprendizado da Impotência,
onde o indivíduo aprende, a partir de estímulos do meio ambiente e muitas vezes da
própria família, a acreditar que não é capaz de realizar-se ou de superar situações
vitais. A Teoria Cognitiva postula que a pessoa deprimida acostumou-se a auto-avaliar-se
negativamente, fomentando assim o pessimismo e a desesperança, interpretando
distorcidamente experiências de vida. Finalmente, o filósofo Paul Tillich, em sua teoria
da ansiedade sugere que as grandes questões existenciais de épocas são foco de
problemas cuja não superação podem levar aos transtornos, que tipicamente vêm
aumentando, em sua proporcionalidade na época moderna.
Fatores Genéticos
Há uma tendência a se acreditar na potencialidade genética principalmente para
os pacientes portadores de Transtorno Bipolar e nos Transtornos Depressivos Maiores.
Observa-se, por exemplo, que parentes de primeiro grau de pacientes com transtornos de
humor têm maior risco de desenvolvimento de depressões.
Fatores Biológicos
O humor sofre a influência de substâncias químicas que circulam no sistema nervoso
central chamadas de neuro-transmissores. Foram constatadas, em pacientes depressivos,
alterações no metabolismo de alguns destes neuro-transmissores, principalmente a
nor-adrenalina e a serotonina.
A Clínica da Depressão
SINTOMATOLOGIA BÁSICA: COMO SE APRESENTAM OS PACIENTES DEPRIMIDOS
A pessoa com depressão se nota por todo um conjunto de sinais que apontam para seu humor
deprimido. Em geral há uma perda de energia e interesse em atividades e sobretudo
atividades prazerosas. A pessoa se sente triste, sem esperança, "na fossa,"
inútil. O sentimento é sempre descrito de maneira diferente de uma tristeza ou
sensação de perda. A idéia é de uma dor enorme, emocional, lancinante. Há sentimentos
de culpa, dificuldade para concentrar-se, perda do apetite e pensamentos frequentes sobre
morte e suicído. Podem ainda existir outras alterações nos níveis de atividade, na
capacidade cognitiva, lentidão do pensamento, arrastamento da linguagem, e distúrbios de
apetite, libido e outros ritmos biológicos. É comum o comprometimento do funcionamento
interpessoal, social e ocupacional.
A questão do risco de suicídio é considerável na depressão. Estima-se que 2/3 dos
deprimidos pensam seriamente em se matar e 10 a 15% deles realmente se suicidam. Há que
tomar cuidado com este risco, que é real e importante no curso dos episódios
depressivos.
Outro sintoma importante na depressão é a sensação de perda de energia, relatada por
até 97% de pacientes em alguns estudos. Esta perda de energia leva ao comprometimento na
execução de tarefas, no rendimento escolar e profissional e influi na capacidade de
assumir novos projetos. Estima-se em 80% a aparição de distúrbios do sono,
principalmente o acordar mais cedo que a pessoa normalmente acorda, ou acordar várias
vezes durante a noite, quando fica então ruminando sobre seus problemas. Quanto aos
distúrbios do apetite, o mais comum é a perda, mas pode haver aumento excessivo do
apetite com consequente aumento de peso. Em 90% dos casos há ansiedade.
A depressão pode causar também anormalidades menstruais, diminuição do interesse e
desempenho sexual. A ansiedade pode ser severa e levar a crises de pânico, abusos
alimentares e queixas somáticas de várias naturezas.
A DEPRESSÃO É SUSPEITADA PORTANTO NA OCORRÊNCIA DE UMA SÉRIE DE PROBLEMAS PARA OS
QUAIS MUITAS VEZES NÃO ENCONTRAMOS OUTRA EXPLICAÇÃO.
Relações com outros problemas médicos -
Pacientes com transtorno depressivo
maior apresentam diminuição de células T4 e de linfócitos, o que propicia uma baixa de
resistência imunológica. Além disso, devido às alterações alimentares, de sono e
repouso, há uma tendência a agravar outras condições médicas. Daí pode haver uma
correlação entre aparecimento de doenças ou sintomas e a depressão.
Muitas outras doenças podem causar sintomas de depressão inclusive o alcoolismo, o
estresse pós-traumático, a anorexia e a bulimia nervosas. Algumas doenças graves,
inclusive alguns cânceres, se iniciam com sintomas de depressão.
Depressão em Crianças e Adolescentes
Crianças e adolescentes podem apresentar formas mascaradas de depressão. Fobia
à escola e apego excessivo aos pais podem ser sintomas precoces. Outros sintomas podem
tomar a forma de baixo rendimento escolar, abuso de álcool e outras substâncias,
comportamento anti-social, promiscuidade sexual, faltas injustificadas à escola e fugas
de casa.
Depressão em Idosos
A depressão é comum em idosos, acontecendo em 25 a 50% desta população. Pode
estar relacionada a baixa situação econômica, perda do cônjugue, doença física e
isolamento social.
O Estado Mental do Paciente Deprimido
O paciente deprimido tipicamente apresenta retardo psico-motor (embora alguns,
como exceção, apresentem-se agitados); redução de velocidade e intesidade da fala;
têm uma visão negativa do mundo e de si mesmo; ruminações sobre perda, culpa,
suicídio e morte. Há em geral uma falta de energia e de interesse, e pessimismo quanto
ao curso da doença e da vida.
O que se espera do Curso da Doença. Qual é o Prognóstico?
A depressão é geralmente de curso longo com tendência a recaídas. O primeiro
episódio é geralmente precedido de fatores estressantes vitais, mas não os episódios
subsequentes.
MAIS DE 50% DOS PACIENTES DEPRESSIVOS APRESENTAM SINTOMAS ANTES DE APARECER UM PRIMEIRO
EPISÓDIO DE TRANSTORNO DEPRESSIVO MAIOR. NA MAIORIA DAS VEZES ESTES SINTOMAS PASSAM
DESPERCEBIDOS.
Um episódio de transtorno depressivo maior não tratado pode durar de seis meses a um
ano. Com tratamento, o episódio dura em média três meses. Com o avançar da doença a
tendência é haver mais episódios e com mais frequência. Tipicamente a situação se
estabiliza com uma frequência de cinco a seis episódios a cada 20 anos.
Há, entretanto, situações que apontam para um curso benigno dos transtornos
depressivos. São estes:
- História de amizades sólidas durante a adolescência
- Funcionamento familiar estável
- Funcionamento social sólido nos cinco anos anteriores ao primeiro episódio
- Presença de uma rede social sólida, para pessoas de idade avançada
- Ausência de outras doenças psiquiátricas
São indicadores de mau prognóstico o abuso de álcool e outras substâncias e a
presença de sintomas de transtornos específicos de ansiedade.
Vale notar que a depressão pode, portanto, se não ser prevenida de forma total, pelo
menos amenizada, através do interesse de pessoas da família e amigos, que buscam apoiar,
orientar e se dedicar à pessoa que sofre do transtorno. Através da detecção precoce de
sintomas. E sobretudo através da busca de lares, esquemas sociais e de amizade que
proporcionem vínculos fortes e estáveis. Num mundo que favorece o aumento das
depressões há a esperança sempre presente de uma humanidade que resiste às tendências
negativas e se dedica a criar um mundo mais acolhedor e portanto mais saudável,
protegendo aos mais expostos aos transtornos depressivos.
Fonte: Blibliomed
Referências Bibliográficas
- Allilaire, J.-F. Um modelo biológico em psicopatologia: a lentificação depressiva
como organização patológica da atividade. In: Comunicação e representação.
Trad. Cláudia Berliner. S. Paulo: Escuta, 1989.
- Fromm, E. Psicanálise da sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Zahar, 1959.
- Jouvent, R. Clínica da tristeza. In: P. Fédida. Comunicação e representação.
Trad. Cláudia Berliner. S. Paulo: Escuta, 1989.
- Kaplan, H.I.; Sadock, B.J. & Grebb, J.A. Transtornos do humor. In: Compêndio de
psiquiatria. 7a. ed. Trad. Dayse Batista. Pp. 493-544. Porto Alegre: Artes Médicas.